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Opinião: "Round 6" e a saúde emocional de nossos jovens

Juliana Landolfi Maia*


Pautada em um brutal jogo de sobrevivência, a série coreana Round 6 se tornou, rapidamente, a mais vista do ano na Netflix. Sucesso com as mais variadas faixas etárias, a produção tem um apelo especialmente forte entre os jovens, causado, em parte, pelas brincadeiras infantis mostradas no roteiro. Embora a recomendação etária seja de 16 anos, muitos adolescentes mais novos que isso assistiram aos nove episódios da primeira temporada e, em alguns casos, tentativas de imitar os jogos descritos no seriado acabaram em confusão – e até mesmo em hospitalizações.

Na França, cinco crianças precisaram ser internadas depois que, na escola, outras crianças tentaram imitar uma das brincadeiras da série. Na Austrália, uma história parecida acabou com um adolescente de 14 anos hospitalizado com queimaduras graves. Professores e gestores de escolas perceberam um grande movimento entre crianças comentando sobre a produção. Ao mesmo tempo, correu até mesmo a notícia de que pais estariam reproduzindo as dinâmicas da série com seus filhos. Ocorrências como essas, em várias partes do mundo, levantaram um debate fundamental nas escolas: a importância da orientação parental no conteúdo assistido por crianças e adolescentes.

Apesar de trazer discussões que são relevantes para adolescentes e adultos, o mote da série gira em torno de brincadeiras da infância dos jogadores. As memórias infantis são uma boa maneira de chamar a atenção porque guardam em si sensações e conexões afetivas com um tempo mais simples e prazeroso da vida. Essa associação entre divertimentos inocentes e mortes violentas prende a atenção, mas também levanta uma preocupação sobre como jogos infantis são abordados e – principalmente – sobre o impacto que esse enredo pode causar em crianças.

Jogos tradicionais e brincadeiras infantis são uma parte fundamental da cultura de um povo e têm sido, inclusive, objeto de estudo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para a educação física. É sempre muito importante e recomendado que crianças tenham acesso ao brincar livre, sem que isso esteja associado a questões que possam causar algum tipo de constrangimento ou medo nessa faixa etária. E exatamente por isso é tão urgente que os pais fiquem atentos à orientação dos conteúdos acessados por esse público, já que esse fator pode gerar impactos muito relevantes na saúde mental dos pequenos. Essa regra serve não apenas para séries e filmes, mas também para jogos, redes sociais e outros elementos praticamente onipresentes no cotidiano infantil atualmente.

Durante a infância, o ser humano está formando a personalidade. As crianças não nascem sabendo quem são. Isso só é descoberto a partir de interpretações da realidade que as cerca. Qualquer intercorrência nessa fase pode causar impactos emocionais importantes. A série Round 6, mesmo quando colocada como fantasia ou decoração de festas de aniversário, não é um conteúdo adequado para essa etapa da vida de uma pessoa, visto que pode trazer associações que não são de fácil compreensão para crianças pequenas. Os relatos de jovens que se machucaram imitando as brincadeiras do roteiro reforçam o fato de que conteúdos violentos podem afetar a estrutura e a integridade psíquica das crianças.

Tais conclusões já levam a posicionamentos oficiais de órgãos públicos. Um exemplo é o Departamento de Justiça da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho do Paraná (Sejuf-PR). A instituição alerta que mesmo adolescentes de 16 anos podem não possuir características perceptivas, intelectuais e mentais em condições de acessar conteúdos com tanta violência. Da mesma forma, crianças mais novas podem ser extremamente afetadas ao acessarem tais conteúdos. Por sua vez, várias escolas têm divulgado notas para a conscientização da comunidade escolar quanto aos riscos que a reprodução da violência imposta pela série pode trazer ao público infantil.

Ao longo da pandemia vimos a importância da saúde mental para crianças e adolescentes. O assunto foi, inclusive, pauta de muitas discussões acadêmicas dentro da comunidade científica. O cuidado com as emoções é indispensável em qualquer faixa etária. Por mais divertida e aparentemente inofensiva que uma produção audiovisual possa parecer, zelar pela integridade física e emocional dos nossos jovens é um objetivo que precisa estar constantemente no horizonte de todos nós, adultos.

*Juliana Landolfi Maia, doutoranda em Educação Física pela Unicamp, assessora de conhecimento e formação de professores do Sistema Positivo de Ensino.

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