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Cigarros eletrônicos: o vício da nicotina camuflado de sabores

Consumo do produto vem crescendo no DF, mesmo diante das apreensões feitas para combater as vendas; quase 60 postos da rede pública de saúde tratam viciados

Eles surgiram em 2014 como alternativa para quem queria parar de fumar mas não conseguia encarar os tratamentos usuais. O que era pra ser um instrumento inofensivo foi, ao longo dos anos, ganhando ingredientes novos, muitos sabores e uma dose de nicotina mais viciante que os cigarros convencionais.
“Mesmo sem combustão, é um produto proibido que surgiu como porta de saída para a dependência, mas que virou a porta de entrada para o vício”André Godoy, diretor da Diretoria de Vigilância Sanitária

Conhecidos como vape, smok, pen drive ou “caneta” – em razão do seu formato –, os cigarros eletrônicos têm cada vez mais adeptos, causando muitos malefícios à saúde.

O Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Diretoria de Vigilância Sanitária (Divisa), vem fechando o cerco contra a venda desses dispositivos e apreendeu, de setembro de 2021 a agosto de 2022, mais de 43 mil cigarros eletrônicos, acessórios, insumos e correlatos.

“Mesmo sem combustão, é um produto proibido que surgiu como porta de saída para a dependência, mas que virou a porta de entrada para o vício”, informa o diretor da Divisa, André Godoy.

Os vapes trazem corantes e sabores, substâncias da indústria alimentícia que não deveriam ser filtradas pelos pulmões | Foto: Divulgação/Ministério da Saúde

A Secretaria de Saúde, por sua vez, conta com 62 unidades básicas de saúde (UBSs) cadastradas para o tratamento de tabagismo. Para saber quais são elas, ligue 136. Além disso, a SES/DF promove ações preventivas com bate-papos em escolas para alertar as crianças e os jovens sobre os riscos por trás dessa fumaça odorizada que atrai usuários, principalmente, entre 13 e 17 anos de idade.

Ao contrário do que parece, o cigarro eletrônico tem alcatrão, maior teor de nicotina do que o cigarro light e fumaça poluente. Estudos do Instituto de Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) comprovaram que a fumaça do produto contém propilenoglicol.

“Costumo dizer que os pulmões não comem. Eles servem para a passagem do ar, de preferência de boa qualidade. Receber esses componentes que não deveriam ser levados até eles é um fator que causará problemas pulmonares no futuro”Nancilene Melo, pneumologista e RTD de tabagismo da Secretaria de Saúde

Propilenoglicol é uma substância segura para a saúde humana, mas que, quando serve de diluente para a nicotina e é vaporizada e inalada, libera o formaldeído em concentrações cinco a 15 vezes maiores do que as encontradas nos cigarros tradicionais. Isso a torna capaz de provocar câncer.

De acordo com a pneumologista e referência técnica distrital (RTD) de tabagismo da Secretaria de Saúde Nancilene Melo, os vapes trazem corantes e sabores – como cappuccino, menta, banana e até crème brûlée –, substâncias da indústria alimentícia que não deveriam ser filtradas pelos pulmões.

“Costumo dizer que os pulmões não comem. Eles servem para a passagem do ar, de preferência de boa qualidade. Receber esses componentes que não deveriam ser levados até eles é um fator que causará problemas pulmonares no futuro”, alerta a médica.

A especialista ressalta que esses componentes saborizantes amenizam a sensação agressiva da nicotina, uma droga psicoativa com alto poder viciante e uma das mais difíceis de se tratar a dependência.

Quem viveu os anos 80 e 90, não se esquece da imagem do casal se aventurando em cima de uma moto e, quando chega ao seu destino, acende um cigarro (!) para comemorar a ousadia da travessia.

Sem fumaça, só vapor. Cheirinho de melancia, tutti frutti, maracujá ou tradicional. Também não contam com compostos químicos como alcatrão e monóxido de carbono. Mas, assim como os convencionais, os cigarros eletrônicos (vapes) contêm doses de nicotina e podem estar ligados ao aumento de problemas ou complicações cardiopulmonares entre os mais jovens.



Muito se fala sobre a ajuda que esses dispositivos podem dar a quem quer parar de fumar. Mas, segundo a pneumologista da Santa Casa de Maceió, Miriã Silva, não há nenhum trabalho que comprove o auxílio na cessação do tabagismo. “Pelo contrário, acontece de muitas vezes o cigarro eletrônico estimular quem nunca fumou a começar a fumar pela falsa sensação de ter um produto que não seria tóxico.

Dentro dele é colocado um líquido concentrado de nicotina, que é aquecido por uma bateria e depois inalado. Além de nicotina, ele também possui solventes como a água, propileno glicol, glicerina. Esse líquido ainda pode incluir metais pesados (chumbo e cromo), bem como aromatizantes para dar sabor. Qual é a questão? Não temos a descrição exata dos componentes que envolvem a produção desses dispositivos, pois são feitos em outros países com legislações diferentes, e muitos dos componentes são tóxicos e causam câncer”, alerta.

DOENÇAS
Pulmão de Pipoca, nome popular dado à bronquiolite obliterante, é uma condição onde os bronquíolos são danificados e inflamam devido a inalação excessiva de produtos químicos. Os usuários dos dispositivos eletrônicos também podem ter EVALI, doença pulmonar relacionada ao uso do cigarro eletrônico descoberta em 2019 por conta de um surto de síndrome gripal que evoluiu para insuficiência respiratória em jovens americanos. Estudos ainda mostram que os danos causados pelo uso dos cigarros eletrônicos podem afetar a pele ou mucosa da boca: dermatite de contato, queimaduras térmicas e lesões da mucosa oral, como estomatite, são condições constantemente associadas ao uso dos cigarros eletrônicos.


Miriã Silva pede maior controle sobre uso e venda do produto

“O uso desses dispositivos por parte dos jovens é preocupante. Eles são mais suscetíveis à dependência química do que os adultos e ainda vemos um uso indiscriminado e sem consciência dos males que o cigarro eletrônico pode trazer. Não há tratamento específico quando o agente causador é o vape. Cada doença é tratada seguindo as diretrizes que já existem, como no caso da DPOC e do câncer. No caso da EVALI, o tratamento é muito mais de suporte. É importante termos campanhas informando nas escolas sobre os perigos do produto e ter maior controle sobre as vendas, já que são proibidas”, finaliza a especialista.

ALERTA
A comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar são proibidas no Brasil, por meio da Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa: RDC nº 46, de 28 de agosto de 2009. Essa decisão se baseou no princípio da precaução, devido à inexistência de dados científicos que comprovassem as alegações atribuídas a esses produtos. Leia mais.

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