Onde está a dúvida que gerou tanta turbulência no mercado de capitais nos últimos dias? Qual o real problema? Qual a explicação racional? Vamos pôr razão, luz sobre esse movimento
Por Edinho Silva
O centro dos questionamentos o mercado já precificou, e já tem tempo: o déficit da gastança desenfreada do governo Bolsonaro para ganhar as eleições.
Os primeiros dados, conta simples e rasa, apontam para mais R$ 100 bilhões só em despesas realizadas e anunciadas, empenhadas, pelo atual governo. O problema está na transição de governo? Portanto, não.
Então, o que se esperava na transição de governo? Qual a expectativa? Maquiagem do déficit? Que se omitisse o rombo nas contas públicas? Aí, sim, mora o problema real na construção de uma política fiscal previsível. Aí, sim, teríamos a quebra da relação de confiança com a sociedade e com os investidores. Aí, sim, estaríamos no caminho para a instabilidade econômica.
Portanto, racionalmente, não há nada de novo em se mensurar déficit para pagar contas empenhadas e impedir descontinuidade de programas e projetos existentes. Assim como não tem nada de novo na política fiscal, o Estado ter capacidade para investir e para aquecer a economia, irrigando setores econômicos que têm capilaridade para dar sustentabilidade ao crescimento de forma mais rápida. Onde está a novidade?
As maiores economias do planeta foram muito mais arrojadas que isso que está sendo proposto pela transição de governo para impedir a depressão econômica. Durante a pandemia, adotaram a expansão da base monetária, o que é muito mais heterodoxo da perspectiva de uma política econômica sustentável, do regramento fiscal. Por exemplo, nem por isso a Alemanha e os EUA foram para a bancarrota econômica. Racionalmente, qual o susto do mercado? Qual a heterodoxia? Fazer gestão de déficit calculado?
Racionalmente, o mercado de capitais está sofrendo por antecipação com aquilo que não existe. Não há a menor possibilidade da existência da “perda das rédeas” dos gastos públicos em um governo liderado pelo presidente Lula. Essa possibilidade é zero. Governar com responsabilidade está na essência das posições de Lula, e ele já demonstrou isso quando foi governo.
Estabelecer um déficit, calculado, administrável, em um momento difícil da vida brasileira, de transição de governos — inclusive déficit majoritariamente gerado pelo atual governo, na maior operação institucional de “compra de votos” em um processo eleitoral existente na história da nossa República —, é agir de forma transparente. É deixar claro para a sociedade e para os agentes econômicos qual caminho será trilhado para o crescimento econômico sustentável.
Ou seja, existe um déficit estabelecido, racionalmente reconhecido nas contas públicas, tranquilamente administrável. Um déficit que quando da posse, da instalação do novo governo, será gestado com muita responsabilidade e lastreado pelo crescimento do PIB.
Onde está a novidade em se estabelecer um déficit público para dar incremento ao crescimento econômico? Novidade nenhuma. Esse é o papel do Estado nos momentos de incertezas, como agora: risco de uma guerra mundial e recessão mundial pós-pandemia. Assim agiram as principais economias do planeta, como já exemplifiquei, durante a pandemia. Assim também foi feito na crise econômica de 2008, que ainda perdura. O déficit público americano ultrapassa US$ 1 trilhão e nem por isso os mercados se abalam. Por quê? Porque esse déficit está lastreado no PIB. Então, qual o debate que deveríamos estar fazendo?
Simples. Como lastrear esse déficit, racional, plenamente administrável, com crescimento do PIB. Ou seja, que o déficit seja progressivamente incorporado ao Orçamento de acordo com o crescimento do PIB. Portanto, o debate central não é o déficit necessário, mas, sim, as políticas que serão adotadas para que haja crescimento do PIB de forma sustentável, que lastreie o déficit proposto. Esse é efetivamente o centro do debate.
Quanto aos rumos do governo Lula, o modelo está dito, está dado, é o que defende o próprio Lula desde sempre: o Brasil terá um governo que vai incentivar a iniciativa privada por meio do crédito, de parcerias público/privada. No governo Lula teremos um Estado indutor do desenvolvimento econômico sustentável e será exemplo para o mundo, inclusive atraindo investidores internacionais. Um modelo de desenvolvimento que respeite nossos biomas, com crescimento literalmente ancorado na sustentabilidade.
Onde está a dúvida? Onde está o fator da instabilidade? Zero fator de instabilidade. Estamos diante de um governo de diálogo, de composição, de pacificação, de unificação do Brasil. Não haverá sobressaltos na política e tampouco na economia. As decisões serão construídas com diálogo, como bem disse o presidente Lula em seu discurso histórico, após conclusão da apuração dos votos no dia 30 de outubro.
O mantra de Lula tem sido: credibilidade, estabilidade e previsibilidade. Não há melhor ambiente para os investidores do que esse. O que é necessário é que uma parte do país desça do palanque. A eleição acabou. Agora é momento de “baixar a temperatura” política estabelecida na sociedade. É hora de olharmos mais o que nos une do que as nossas divergências, como bem disse o presidente Lula. É hora de fazer o Brasil crescer.
O combate à pobreza, o combate à fome e a busca do crescimento econômico com inclusão social, com mais oportunidade, tem que ser a busca de todos nós: governos, políticos, trabalhadores, empresários, empreendedores, investidores dos mercados de capitais, do conjunto da sociedade. Não podemos permitir que haja uma “fotografia” para o mundo que no Brasil existe uma contradição entre os interesses dos mercados e o combate à fome e à miséria. Até porque essa contradição é falsa. Todos queremos geração de riquezas e que esse crescimento econômico sustentável signifique um país mais justo.
*Edinho Silva está Prefeito de Araraquara no 4º Mandato, participou da coordenação da campanha do Lula para presidente do Brasil em 2022 e integra a equipe de transição do Brasil do Futuro.