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As lições de Maquiavel que o Brasil não aprendeu

 

Samuel Hanan*

Nicolau Maquiavel, filósofo italiano considerado o pai da ciência política moderna, viveu apenas 58 anos. Quando ele morreu, em 1527, o Brasil era uma terra recém-descoberta pelos portugueses, que mal haviam iniciado o processo de colonização.

Quase cinco séculos depois, a obra de Maquiavel continua a ser estudada e muitos de seus pensamentos seguem reverberando, dado seu caráter profético em relação a regimes políticos, ditaduras de todos os gêneros e desmando de políticos.

Boa parte do que escreveu parece ter sido pensado como um alerta ao Brasil do século XXI e, portanto, merece reflexão.

“Um povo que aceita passivamente a corrupção e os corruptos não merece a liberdade. Merece a escravidão”, escreveu o filósofo renascentista. No mesmo sentido, disse ainda: “Um país cujas leis são lenientes e beneficiam bandidos não tem vocação para liberdade. Seu povo é escravo por natureza”.

É um recado duro e direto, lamentavelmente ainda não assimilado apesar de tanto tempo decorrido. O povo brasileiro parece, de fato, escravizado pela imoralidade pública alimentada pela crise ética nacional e pela leniência com a qual é tratada a questão.

Ao longo da história, os escândalos se sucedem e, muito recentemente, o desfecho da Lava-Jato, a maior operação já realizada contra a corrupção, com a anulação de provas contundentes (Suprema Corte, em cumprimento ao quanto disposto em lei, agiu de forma correta, porém, a meu ver, extemporânea) e de condenações confirmadas por colegiados em segunda instância, pintou um retrato bem realista de como o país enfrenta um de seus mais graves problemas nacionais. Por estas razões é indispensável que se torne imprescritível todos os crimes contra administração pública, aliada a completa revisão da lei da ficha limpa.

A leniência se escancara com a alteração da Lei de Improbidade Administrativa, obrigando a demonstração do dolo do agente público para a punição dos malfeitos e, agora, com a movimentação do Congresso Nacional para anistiar os partidos políticos das multas aplicadas por irregularidades no processo eleitoral, flexibilizando a lei aprovada pelos próprios parlamentares.

Sabiamente, Maquiavel ainda alertava: “Um povo cujas instituições públicas e privadas estão em boa parte comprometidas não tem futuro. Só passado”. O comprometimento a que se refere o autor de “O Príncipe”, obviamente não é com o zelo na utilização dos recursos públicos, com a ética, com a moralidade, com a transparência, com o desenvolvimento e com o bem-estar da população, mas apenas com interesses pessoais ou corporativos.

Esse pensamento se complementa com outra afirmação: “Uma nação onde a suposta sociedade civil organizada não mexe uma palha se não houver lucros (vantagens pessoais), não é capaz de legar nada a seus filhos, a não ser dias sombrios”. Nada mais verdadeiro.

“Uma pátria onde receber dinheiro mal havido a qualquer título é algo normal não é uma pátria, pois neste lugar não há patriotismo, apenas interesses e aparências”, ensinou ainda o pensador italiano. Mais uma reflexão necessária.

A questão é que a sensação de impunidade vai se sedimentando na sociedade brasileira, transparecendo falsamente que o crime compensa. A multiplicação dos malfeitos em todas as esferas sem a correspondente punição apenas serve de estímulo à prática delituosa e ao afrouxamento moral da população. Banaliza o errado e cria complacência coletiva em relação ao comportamento reprovável.

E, nesse aspecto, cabe outra lição de Maquiavel: “Um país onde os poucos que se esforçam para fazer prevalecer os valores morais como honestidade, ética e honra são sufocados e massacrados, já caiu no abismo há muito tempo”.

Os mais otimistas dirão que ainda não caímos no abismo. Se isso é verdade, estamos bem próximos disso. Permeia a inversão de valores, trazendo à nossa realidade o vaticínio de Rui Barbosa, segundo o qual chegaria o momento em que o homem desanimaria “da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

“Uma sociedade onde muitos homens e mulheres estão satisfeitos com as sórdidas distrações, em transe profunda, não merece subsistir”, escreveu também Nicolau Maquiavel em seu pensamento crítico do Estado e da sociedade, como se estivesse olhando para um Brasil que ainda nem existia como nação.

“Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão”, avisava o pensador florentino. E complementava: “Só tenho compaixão daqueles bravos que se revoltam com esse estado de coisas”.

Os brasileiros precisam resgatar a ética e a moralidade e estancar a contaminação provocada pela impunidade para que o país reencontre o rumo de uma nação mais justa, com direitos e deveres verdadeiramente iguais para todos os cidadãos, sem privilégios de qualquer espécie – nem foro privilegiado nem aposentadorias precoces e milionárias, por exemplo -com efetivo combate à corrupção, oportunidades para todas as classes, e redução das desigualdades regionais e sociais. Para evitar o abismo e se libertar da escravidão que o acorrenta ao erro e, assim, transformar-se numa pátria de verdade, com dignidade e orgulho.

O caminho da redenção nacional já foi apontado por Maquiavel há quase 500 anos.

 

*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br


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