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Opinião: As Bets e o jogo patológico

Marco Antonio Spinelli*

 

No final de Setembro tivemos a revelação estarrecedora de uma transferência de bilhões de reais de recursos do Bolsa Família para as contas das Bets, sites de apostas esportivas on-line. A geração que mais faz apostas dessa modalidade foi a Z (de 16 aos 27 anos), mas tem gente de todas as idades jogando o leite das crianças nas apostas . Os algoritmos são desenhados para superestimular os jogadores em busca do pico de prazer da aposta-expectativa-frustração e busca de recuperação do dinheiro perdido. Esse texto vai falar sobre esse círculo vicioso e seus efeitos.

O DSM V, manual diagnóstico e estatístico da Associação Psiquiátrica Americana, já tinha classificado o Transtorno de Jogo Patológico como uma Dependência Comportamental desde 2013. Isso quer dizer que esse transtorno equivale a uma adicção semelhante (eu diria pior) a um dependente de Cocaína ou Heroína.

Geralmente almoço na cozinha do meu consultório, ouvindo resenhas esportivas de Youtube. Invariavelmente, elas são patrocinadas pelos tais sites de aposta. O apresentador, algumas vezes, fala do patrocício na Bet tal ou qual e faz uma observação: “Não se esqueça de jogar com responsabilidade”. Para uma pessoa que tem esse transtorno, equivale a tentar frear uma carreta na decida com o pé no chão, como o Fred Flinkstone. Mas, perguntam os leitores aí do outro lado da tela: isso não é “só” uma questão de força de vontade? Infelizmente, não.

A Neurociência vem demonstrando que instalar uma Dependência no seu Sistema Nervoso é um processo de aprendizagem e reforço. Mas tem um detalhe que o público talvez desconheça: esse aprendizado tem um efeito nas suas expressões genéticas. Não são apenas as suas redes neurais que ficam condicionadas e fissuradas pela próxima aposta: a manifestação de determinadas populações genéticas também vão sendo modificadas nesse processo de busca consciente e consciente das apostas. Como se o sistema ficasse programado para repetir o comportamento, como a carreta na descida. Como todo processo de dependência (note o leitor e a leitora que não estou usando a palavra “vício”, que está em desuso e só reforça o estigma dos doentes), o Cérebro passa a viver e trabalhar em função de buscar mais e mais uma dose, ou várias doses dessa droga, no caso, fazer outra aposta.

Muita gente fala em aulas e vídeos, já que o Youtube forma muitos neurocientistas todo dia, que a base dessa dependência é a busca pela Dopamina, neurotransmissor associado ao prazer. Está errado em sua concepção. No caso do Jogo Patológico, a Dopamina tem um papel muito mais destrutivo e perigoso: ela é liberada na iminência do prazer. Na busca infinita pelo prazer, diante de uma falta que nunca cessa. A Dopamina move as rodas do Capitalismo. Você já ouviu que o melhor da festa é esperar por ela? Pois é. O ditado está correto. A espera do prazer é mais potente que o prazer em si.

A iminência do ganho despeja um shot de Dopamina no seu Cérebro Emocional, com uma euforia e sensação de superpoder que demora a passar. Essa parte do nosso sistema é mais antiga e mais profunda em nossa evolução e toma de assalto as áreas racionais. Por isso que tratar todos os transtornos que envolvem compulsão, repetição e fissura são tão difíceis de se gerar resultado e tão devastadores para pacientes e suas famílias: não é tão incomum de se ver a perda de todos os bens, o endividamento progressivo e o desmoronamento de toda vida econômica e afetiva dos dependentes, levando a divórcios, violência e suicídio no meio dessa ciranda devastadora. Como toda droga, o jogo patológico se cronifica na medida que a pessoa passa a usar essa droga para combater seus efeitos deletérios: como um alcoolista bebe logo cedo para diminuir os efeitos da abstinência, os jogadores buscam na próxima aposta recuperar o dinheiro perdido.

Freud descreveu, há mais de cem anos, a dualidade de Eros e Tânatos em nossas psiques. A dualidade entre as forças que alimentam e vida e o instinto que busca, inconscientemente, da própria aniquiliação: o Instinto de Morte. O Jogo Patológico parece o reino de Eros, com prazer, excitação, divertimento. Costuma terminar em seu oposto para uma parcela da população, com perda, dissipação e aniquilamento da vida pessoal e familiar.

Estamos na Era dos Excessos. Isso vai criando muitos caminhos para Eros acabar virando Tânatos. Não adianta, apenas, levantar bandeiras contra os jogos e sites de apostas on-line. Precisamos de uma Psicoeducação profunda, precoce, sobre algo que os gregos presavam muito, que é a justa medida. Estamos numa civilização em que a compulsão é o motor do lucro e a Regulação Emocional virou uma piada.

Temos que ensinar Regulação Emocional na escola. E mandar muitos marmanjos para a Recuperação.

     

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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