Nos últimos anos, a expressão “ecossistema de inovação” ganhou protagonismo em debates sobre desenvolvimento econômico e tecnológico.
Políticos, líderes empresariais e acadêmicos concordam: a inovação é o motor do progresso. Contudo, a mera existência de empresas, universidades e centros de pesquisa em um mesmo território não configura, por si só, um ecossistema.
O verdadeiro desafio está em transformar aglomerações em redes interdependentes, onde cada ator não apenas coexista, mas dependa ativamente das contribuições dos demais. A ilusão da proximidade geográfica É comum associar ecossistemas de inovação à concentração física de instituições. No entanto, a proximidade geográfica é apenas um ponto de partida.
O que define um ecossistema é a dinâmica de consumo e fornecimento entre seus integrantes. Sem interdependência, não há troca de valor. Por exemplo: - Instituições de ensino e mercado: Cursos técnicos e universidades só se tornam relevantes se formarem profissionais que atendam às demandas das empresas locais. - Pesquisa e aplicação prática: Descobertas científicas precisam ser absorvidas por empresas que as transformem em produtos ou serviços, especialmente aquelas sem capacidade interna de pesquisa. - Grandes empresas e startups: Corporações e governos devem direcionar parte de suas compras para pequenas empresas inovadoras, criando um ciclo de demanda e aprimoramento contínuo.
Essa simbiose é o que diferencia um ecossistema vivo de um agrupamento estático. O desafio cultural e estrutural. A construção dessas redes esbarra em obstáculos profundos. Em algumas regiões, culturas locais já valorizam parcerias regionais, facilitando a colaboração.
Em outras, mesmo com abundância de talentos e recursos, os atores permanecem isolados. O caso brasileiro ilustra bem essa dualidade: embora o país conte com polos de tecnologia e instituições renomadas, ainda falta articulação sistêmica.
O problema muitas vezes está na ausência de mecanismos que incentivem a colaboração. Empresas tradicionais hesitam em apostar em startups; universidades operam em bolhas acadêmicas; governos priorizam licitações convencionais em detrimento de soluções inovadoras.
Como resultado, os “atores da inovação” funcionam como ilhas desconectadas. O papel estratégico de articuladores Para romper esse isolamento, entidades intermediárias — como associações empresariais, aceleradoras e organizações não governamentais — assumem um papel vital.
Elas atuam como facilitadoras de conexões, identificando oportunidades de sinergia e promovendo diálogos que naturalmente não ocorreriam. Além disso, governos locais podem ser agentes transformadores ao:
1. Priorizar compras públicas de empresas inovadoras, criando mercado para soluções nascentes.
2. Fomentar parcerias entre grandes e pequenas empresas, como programas de mentoria ou contratos de fornecimento.
3. Incentivar a cooperação universidade-empresa, por meio de editais focados em projetos aplicáveis. Ciclo virtuoso: fortalecer os pequenos para crescer juntos Ecossistemas robustos não surgem do acaso.
Eles dependem de um pacto implícito: as instituições mais consolidadas devem investir no desenvolvimento das menores, entendendo que, no longo prazo, todos se beneficiam. Quando uma startup escala, gera empregos, atrai investimentos e retroalimenta o ecossistema com novas demandas. Esse ciclo exige paciência e visão estratégica — valores nem sempre presentes em economias pressionadas por resultados imediatistas.
O Brasil na encruzilhada da inovação Embora o país ainda engatinhe na formação de ecossistemas integrados, há motivos para otimismo. Políticas como o Marco Legal de Startups e a expansão de hubs tecnológicos sinalizam avanços.
O próximo passo é ampliar a mentalidade colaborativa: universidades precisam sair da torre de marfim, empresas devem enxergar startups não como concorrentes, mas como parceiras, e governos precisam assumir seu papel de indutores de demanda.
A lição é clara: inovação não é um esporte solo. É uma rede de interdependências, onde o sucesso de um fortalece a todos. Enquanto o Brasil aprender a tecer essas conexões, sua economia dará saltos de qualidade — e não de quantidade.
O futuro pertence aos ecossistemas que entendem que, juntos, são mais que a soma das partes. Na segunda parte deste artigo, darei exemplos no Brasil e no mundo onde ecossistemas bem formados geram desenvolvimento local e fortalecem instituições e países.
Por Maria Luiza Reis DSc., VP de Educação na Confederação Assespro, VP de IA na Assespro RJ, Conselheira da ABES Software e CEO da Lab245 Software